3. Documentos digitais

Para o propósito deste manual, trataremos das estruturas dos documentos digitais com enfoque na acessibilidade dos dados, direito garantido pela Constituição Federal, a qual afirma ser "assegurado a todos o acesso à informação".

3.1 Documentos digitais

Podemos definir documentos digitais como informações produzidas e armazenadas através de codificação binária, podendo ser nato-digitais ou digitalizados e capazes de ser acessados por dispositivos computacionais.

Inicialmente apresentamos algumas características e semelhanças entre documentos nato-digitais e documentos digitalizados:

  • todos os documentos digitalizados são considerados documentos digitais, porém nem todos os documentos digitais são documentos digitalizados;
  • apresentam validade jurídica quando assinados digitalmente através de certificação digital;
  • a utilização de ambos permite ampliar a sustentabilidade ambiental de qualquer instituição;
  • podem até exibir o mesmo formato eletrônico, como pdf ou doc.

Mas, em relação à acessibilidade, há uma larga diferença entre eles.

Nato-digitais

Como o próprio nome sugere, já nasceram em formato eletrônico. Eles podem ser criados a partir de editores de texto como Microsoft Office Word, LibreOffice Writer, Documentos Google, editores de texto dos Sistemas de Processos Digitais, entre outros.

Quando produzidos com estruturas de acessibilidade textual, conforme tópico 5.2 apresentam características capazes de permitir que pessoas cegas, com baixa visão, disléxicas ou daltônicas consigam acessar o conteúdo de tais documentos em nível de igualdade com as pessoas ditas normais.

Para melhor entender, vamos em busca da inteligência do Estatuto da Pessoa com deficiência e aprender que "consideram-se formatos acessíveis os arquivos digitais que possam ser reconhecidos e acessados por softwares leitores de telas ou outras tecnologias assistivas que vierem a substituí-los, permitindo leitura com voz sintetizada, ampliação de caracteres, diferentes contrastes e impressão em Braille".

A existência de documentos inacessíveis não tem relação com a falta de instrumentos que permitam essa ação. O que falta é conhecimento de como fazer, motivo bem recorrente quando o assunto é acessibilidade. Quase sempre as pessoas já têm as ferramentas, conhecem os métodos, mas não os aplicam como deveria.

Tomemos por base a atitude de produzir os documentos em editores de textos, imprimi-los para aferição de assinatura e posterior digitalização com o objetivo de envio por e-mails ou incluir nos Sistemas Processuais Digitais. Nesse exemplo houve o uso da ferramenta apropriada, a produção adequada, mas a impressão para assinatura, seguida da digitalização para o retorno do documento ao ambiente digital fez com que todo o processo ficasse comprometido.

Ações como essa estão em desacordo com todas as orientações de acessibilidade no Brasil e no mundo, porque impõe barreiras entre quem produz a informação e os destinatários, contrariando inclusive diversos dispositivos legais, inclusive a Portaria Conjunta TRE-CE nº 19/2021, quando diz que "os documentos gerados por todos os Magistrados e Servidores da Justiça Eleitoral do estado do Ceará destinados a inserção no Processo Administrativo Digital deverão ser nato-digitais".

Outro equívoco comum é pensar que basta um arquivo estar em pdf para ser acessível. Com base nisso, convertemos imagens para essa extensão, replicando, portanto, a inacessibilidade. Um exemplo clássico acontece quando utilizamos a tecla PrintScr para fotografar uma tela e transformamos a imagem obtida em um arquivo pdf. O documento resultante pode ser lido por olhos humanos, mas não pelos leitores de telas.

Quanto ao uso de impressoras virtuais, como o PDFCreator, não são recomendadas para imprimir virtualmente documentos criados em editores de textos como o Write ou Word, porque não preservam as marcações de acessibilidade presentes nas estruturas desses documentos e podem apresentar textos confusos para leitura pelos leitores de telas.

Para documentos criados em editores de textos, o ideal é utilizar a opção "salvar como" e escolher o formato pdf. Assim é possível ganhar tempo, ocupar menos espaço de armazenamento e permitir que o documento possa ser lido por qualquer pessoa ou máquina.

Observe que o mero fato de um conteúdo ser produzido de forma exclusivamente digital, não implica que esteja acessível, pois o conteúdo pode estar legível para pessoas com visão normal, mas não ser editável. Afinal, se um texto não puder ser selecionado, alterado, recortado, copiado ou apagado, não pode ser lido por leitores de telas e estará inviável para ser utilizado em outros documentos.

Por fim, perceba que os benefícios da produção de documentos acessíveis para as pessoas físicas e jurídicas vão desde a economia com armazenamento em espaço físico ou digital, menor custo financeiro, facilidade de acesso, portabilidade dos dados e versatilidade na produção de informação, além de ser uma prática cada vez mais presente nas organizações modernas.

Digitalizados

Observando a Lei 12.682/2012 que diz "entende-se por digitalização a conversão da fiel imagem de um documento para código digital", podemos caracterizar os documentos digitalizados como sendo cópias de outros documentos, produzidos com a interação de softwares para digitalização em câmeras ou scanners.

A vantagem de realizar uma digitalização está no fato de conseguir levar para o ambiente computacional documentos disponíveis em meios físicos, promovendo situações que vão desde a facilidade de acesso até a guarda de um conteúdo por tempo indefinido.

Um fator negativo da digitalização tem relação com a impossibilidade de serem lidos primariamente por leitores de telas, inviabilizando o princípio da acessibilidade da informação a todas as pessoas, conforme tratam diversos dispositivos legais a exemplo da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Outro ponto desfavorável é que, em comparação com os documentos nato-digitais, tais arquivos ocupam cerca de dez vezes mais espaço de memória nos dispositivos que os armazenam.

Como acessibilizar Documentos Digitalizados

Nos casos em que seja necessário digitalizar documentos em meio físico, o equipamento que realizará a tarefa deve estar configurado com padrões mínimos. Assim, se tal digitalização for submetida a uma ocerização, a extração apresentará uma qualidade aproximada do conteúdo real.

Por esta razão e para melhor orientar a todos, a seguir listamos exemplos de configurações trazidas pelo Decreto 10.278/2020, que impõe requisitos para a produção e validade dos documentos digitalizados.

PADRÕES TÉCNICOS MÍNIMOS PARA DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTOS

DOCUMENTORESOLUÇÃO MÍNIMA*CORTIPO ORIGINALFORMATO DE ARQUIVO*
Textos impressos, sem ilustração, em preto e branco 300 dpi Monocromático (preto e branco) Texto PDF/A
Textos impressos, com ilustração, em preto e branco 300 dpi Escala de cinza Texto/imagem PDF/A
Textos impressos, com ilustração e cores 300 dpi RGB (colorido) Texto/imagem PDF/A
Textos manuscritos, com ou sem ilustração, em preto e branco 300 dpi Escala de cinza Texto/imagem PDF/A
Textos manuscritos, com ou sem ilustração, em cores 300 dpi RGB (colorido) Texto/imagem PDF/A
Fotografias e cartazes 300 dpi RGB (colorido) Imagem PNG
Plantas e mapas 600 dpi Monocromático (preto e branco) Texto/imagem PNG

 *Na hipótese do arquivo ser comprimido, deve ser realizada compressão sem perda, de forma que a informação obtida após a descompressão seja idêntica à informação antes da compressão.

OCR: Optical Character Recognition

Trata-se de uma tecnologia capaz de reconhecer caracteres a partir de um arquivo de imagem ou mapa de bits inacessíveis a leituras por máquinas, em conteúdo legível e editável, inclusive por leitores de telas, Linhas Braile e outras tecnologias assistivas.

Para realizar o reconhecimento, essa tecnologia analisa o arquivo digitalizado através de várias técnicas com o intuito de identificar o conteúdo e transformar em texto capaz de ser lido e editado.

Tais procedimentos são capazes de identificar todo texto de um documento, capturar apenas partes específicas, identificar marcações em gabaritos e realizar a forma mais complexa de reconhecimento que são os textos manuscritos.

No entanto, precisamos ter em mente que, embora seja uma solução para acessibilizar documentos, o resultado geralmente apresenta falhas textuais, o que demanda revisão do texto obtido para adequá-lo ao conteúdo do documento original.

Atualmente ainda não há norma que vincule toda a Administração Pública estabelecendo que os documentos ao serem digitalizados, sejam feitos utilizando as tecnologias de OCR.

Contudo, há normas que regulamentam procedimentos específicos. Na Justiça Eleitoral, por exemplo, a Portaria TSE nº 886/2017 é categórica ao dizer que para incluir documentos no Processo Judicial Eletrônico - PJE "os arquivos deverão ser digitalizados com Reconhecimento Ótico de Caracteres (OCR), de maneira a permitir a leitura por pessoas com deficiência visual".

Já no âmbito do TRE-CE, a Portaria Conjunta TRE-CE nº 19/2021 orienta que documentos digitalizados internamente ou oriundos do público externo sejam convertidos por Tecnologia OCR antes de serem incluídos nos Sistemas de Processo Administrativo Digital.

Nesse contexto, com o objetivo de auxiliar nos procedimentos adequados às referidas normas, a Seção de Atendimento e Apoio ao Usuário (SECAT) do TRE-CE produziu um manual para digitalização via painel com orientações práticas, fáceis e rápidas para digitalizar documentos com tecnologia OCR. A metodologia não cria uma demanda a mais de trabalho, apenas solicita que se faça uma configuração específica antes da digitalização. Depois o resto do processo é igual ao que já se faz no cotidiano.

Observemos que atitudes acessíveis não criam um ambiente digital adequado apenas para as pessoas com alguma deficiência, mas para todos. Basta que as instituições entendam que o comportamento acessível é possível ser implantado na cultura organizacional. Afinal, acessibilidade não é difícil de ser construída, difícil é mudar os métodos enraizados nas instituições.

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última modificação 20/12/2022 10h41